“Quem abriu caminhos também merece caminhar com dignidade: viver e envelhecer com orgulho!”, este é o tema da 19ª edição da Parada do Orgulho LGBTQIA+, que propõe um resgate das histórias de resistência e luta por direitos, com foco nas gerações pioneiras, responsáveis por importantes avanços nas últimas décadas.
O evento, que integra o calendário oficial do município desde 2009, será realizado no dia 3 de agosto, com concentração a partir das 12h, na praça da Glória, no Eldorado, e contará com uma marcha prevista para sair das proximidades do Big Shopping, às 16h, percorrendo a avenida João César de Oliveira, com dispersão no bairro Cinco.
O evento é organizado pelo movimento social Cellos Contagem, em parceria com a Prefeitura de Contagem e sob coordenação da Superintendência de Defesa de Direitos Humanos e Diversidade Sexual, da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. A “Parada” é um ato político de visibilidade, que reafirma o compromisso do município com os direitos humanos, diversidade, segurança e a luta contra todas as formas de preconceito. Assim como nas edições anteriores, a expectativa é reunir um grande público, tanto de de Contagem como de outras cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
De acordo com a superintendente de Defesa de Direitos Humanos e Diversidade Sexual, Karol Maia, a Parada do Orgulho LGBTQIA+ é uma manifestação popular, política, cultural e social, rompendo o silêncio imposto, historicamente, à essa comunidade, assim como violências, mas também de conquistas.
“Reconhecemos esse espaço como essencial para fortalecer a cidadania plena
e promover a ocupação legítima das ruas por corpos e histórias que foram,
por muito tempo, marginalizadas. O tema ‘viver e envelhecer com orgulho’ significa resistir.
É dizer que o tempo não apaga a luta, nem o direito de amar, de existir e de ser respeitado.
Na velhice, continuamos sendo sujeitos de direito e queremos uma cidade,
Estado e um país que compreenda isso em suas políticas públicas”.
Karol Maia, superintendente de Defesa de Direitos Humanos e Diversidade Sexual
A superintendente também destacou a importância de equipamentos voltados para esse público, pois o envelhecimento da população LGBTQIA+ é atravessado não apenas pela LGBTfobia, mas também pelo etarismo. Segundo ela, a Prefeitura conta com o Núcleo de Referência LGBT, que oferece atendimento especializado e acolhimento, e com o Conselho Municipal LGBT (COMDLGBT), que fortalece o diálogo entre sociedade civil e poder público na construção de políticas públicas.
“Na saúde, o Ambulatório Trans garante atendimento integral e humanizado. Em 2015, a Superintendência de Direitos Humanos e Diversidade Sexual, em parceria com a Superintendência da Pessoa Idosa, iniciou o ciclo de formações ‘O Envelhecer LGBT’, voltado à promoção de informação e acolhimento para pessoas idosas”, contou Karol.
“Em junho deste ano, iniciamos junto ao Movimento Social Cellos, e as Secretarias de Educação e de Trabalho e Renda, a implementação de políticas direcionadas ao público LGBT para a retomada dos estudos por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essas ações mostram o comprometimento de Contagem com a construção de uma cidade mais justa, inclusiva e sensível à diversidade de seus cidadãos”, afirmou a superintendente.
Orgulho que resiste
Até pouco tempo atrás, as pessoas LGBTQIA+ não possuíam os mesmos direitos garantidos aos heterossexuais e cisgêneros, embora já existisse uma luta significativa por dignidade e respeito. Para se ter uma ideia das dificuldades enfrentadas, foi apenas em 1990 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Foi nesse cenário que surgiu a história do aposentado e morador da região do Eldorado, Tonny Soul, 68 anos, que decidiu ser quem de fato era, ainda que sofresse preconceitos.
“Desde a pré-adolescência, eu já sentia desejo por pessoas do mesmo sexo, mas naquela época tudo precisava ser escondido.
Tive uma infância reprimida e sofri bastante, embora também tenha encontrado formas de ser feliz,
mesmo que em segredo. Na vida adulta, enfrentei muita cobrança da sociedade.
Diziam que eu precisava 'formar família', então acabei me casando.
Minha ex-esposa me deu sete filhos, que amo profundamente. Só depois da separação, há 12 anos,
tive coragem de realmente assumir quem eu era de verdade. Foi quando vivi meu primeiro relacionamento homoafetivo.
Aos poucos, conversei com minhas filhas sobre isso, e elas me acolheram com carinho”.
Tonny Soul, aposentado e morador da região do Eldorado
Tonny Soul, pai de sete filhos, contou sua história e seus desafios na sociedade Foto: Luci Sallum/PMC
Por isso, Tonny ressaltou a importância do tema da Parada deste ano e completou dizendo que “envelhecer como um homem gay ainda é desafiador, mas a liberdade conquistada já é uma grande vitória”. “Mesmo sem aceitação total, as leis e políticas públicas garantem nosso respeito. Ainda falta espaço para os LGBTQIA+ mais velhos, que precisam ser incluídos e valorizados por suas lutas. A Parada do Orgulho é fundamental para celebrar, reivindicar direitos e lutar por respeito e saúde. Tenho orgulho de ser gay, pai biológico e avô, isso é um presente de Deus”, disse ele.
Outros avanços significativos para a comunidade LGBTQIA+ foram a autorização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013, e o reconhecimento das uniões homoafetivas como equivalentes às uniões estáveis heterossexuais, em 2015, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A trajetória da professora e moradora da região Sede, Glaucia Helena, 55, exemplifica a importância da proteção legal das famílias.
“Eu me encontrei aos 26 anos de idade. Vivi dois casamentos héteros antes disso, nos quais fui muito feliz enquanto duraram.
Do primeiro, tive um filho que hoje tem 36 anos. Encontrei afeto, amor, cumplicidade e delicadeza em uma companheira de trabalho,
relação esta que durou 11 anos. Hoje, vivo uma nova relação com uma companheira, já há 13 anos.
Temos um filho de 7 anos, nosso orgulho, fruto de nosso desejo.
O primeiro menino registrado no cartório Guimarães, em Contagem, com duas mães na certidão”, contou.
Gláucia Helena, professora e moradora da região Sede
Ela ainda completou: “Apesar dos desafios, vivo meu melhor momento: com uma família sólida, uma companheira presente, amor pelo que faço e aceitação de quem sou, sem precisar da aprovação alheia. A Parada é um momento da gente se juntar, mostrar que somos muitos, que não podemos nos curvar aos preconceitos, nem ao fundamentalismo que quer nos apagar. É momento de pactuar novas conquistas e gritar para o mundo que o amor LGBTQIA+ é natural e faz bem para a vida. Afinal, onde tem amor tem Deus, e toda forma de amor vale a pena”, finalizou.
Reconhecer-se com orgulho
No Brasil, as pessoas trans tiveram o direito legal de alterar o nome somente a partir de 2018, que por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), pode ser feita diretamente em cartório, sem exigir cirurgia de redesignação sexual, tratamentos hormonais ou processo judicial. A artista e ganhadora do primeiro lugar do Festival de Arte Drag Queen de Contagem 2024, Michele Loren, 56, passou por esse processo com o apoio e acolhimento de seus pais e de toda sua família.
“Desde criança, gostava de vestir as roupas das minhas primas e sempre me sentia atraída pelo universo feminino.
À medida que fui crescendo, essa percepção foi se fortalecendo. Aos 13 anos, minha consciência já era muito clara:
eu sabia que era uma menina e, aos 15, comecei meu processo de transição de gênero. Apesar dos medos diante do preconceito e da violência,
minha mãe me acolheu e fez com que toda a família me respeitasse. Minha família me aceitou com amor.
Minha mãe comprou roupas femininas, me orientou sobre como me portar na sociedade e minha família sempre investiu na minha educação”.
Michele Loren, artista e ganhadora do primeiro lugar do Festival de Arte Drag Queen de Contagem 2024
Michele emocionou-se ao falar da gratidão em poder retribuir todo o amor que recebeu de seus pais. “Dei apoio ao meu pai, cuidei dele nos últimos dias de vida e, hoje, sou eu quem cuida da minha mãe. Isso é um retorno de amor, um reconhecimento por tudo o que recebi. Sou a pessoa que sustenta a base da família. Sei que nem todos têm o privilégio de contar com o apoio familiar e é por isso que a Parada tem tanto significado para mim: é um momento de celebrar, com orgulho, quem eu sou”, comentou.
Outro exemplo disso é a trajetória do professor e vencedor do prêmio Mister Trans Sênior Contagem 2025, Marlon Nonato, 63.
“Embora tenha enfrentado dificuldades e preconceitos da sociedade, eu nasci para ser quem sou.
Sinto muito orgulho da minha trajetória. Sou um homem trans, harmonizado, mastectomizado e cirurgiado,
tudo com muito esforço, custeado por mim mesmo, graças a Deus. Hoje em dia, vejo avanços na luta por mais liberdade para pessoas trans,
mas ainda falta representatividade para a comunidade LGBTQIA+ mais velha.
Por isso, a Parada do Orgulho é essencial, tanto para as novas quanto para as antigas gerações”.
Marlon Nonato, Mister Trans Sênior Contagem 2025
Michele Loren e Marlon Nonato: duas histórias vencedoras em Contagem Fotos: Luci Sallum/PMC